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Poeta, dramaturga, romancista, autora de contos e de numerosos textos radiofônicos, Anne Hébert é um dos grandes nomes da literatura quebequense e francófona. Nascida em primeiro de agosto de 1916, em Sainte-Catherine-de-Fossambault (vilarejo situado aproximadamente a 40 km ao norte da cidade de Quebec), e falecida em 22 de janeiro de 2000, em Montreal, Anne Hébert viveu grande parte de sua vida em Paris. Filha do poeta e crítico Maurice Hébert, prima-irmã do poeta Saint-Denys Garneau, por parte de seus avós maternos ela provém de uma nobre linhagem. A partir da publicação de sua primeira coletânea de poemas, Les songes en equilibre, em 1942, a autora acumula prêmios literários, tanto no Quebec quanto na França. Além disso, ela é contemplada com o Prix des Libraires de France pelo seu romance Kamouraska, em 1971, com os prêmios Gouverneur Général e Academia Francesa pelo romance Les enfants du sabbat, em 1975 e 1976 respectivamente, e com o prestigioso prêmio Fêmina, pela obra Les fous de Bassan, em 1982. Em 1999, ela recebe o prêmio France-Québec pelo seu romance Un habit de lumière e pelo conjunto de sua obra. As peças de teatro La cagee L’île de la demoiselle são publicadas em 1990.
Inspirada na personagem histórica e lendária de Marie-Josephte Corriveau, Anne Hébert reescreve em La cage a história dessa mulher assassina célebre e feiticeira póstuma, que foi condenada à morte em Quebec, em 18 de abril de 1763, pela Corte Marcial inglesa, por ter assassinado seu segundo marido. Como menciona o etnólogo Luc Lacourcière, “Não existe mulher, em toda a história canadense, que tenha pior reputação do que Marie-Josephte Corriveau, chamada comumente La Corriveau. (...) Além disso, o nome La Corriveau está associado ao suplício excepcional, odioso e horrível que ela sofreu: o de ser enforcada e exposta publicamente durante um tempo bastante longo, em uma gaiola de ferro que, mesmo depois de desaparecida, foi o terror de várias gerações”.
A Corriveau da lenda foi rapidamente acusada pela morte do seu primeiro marido e, com o tempo, assassinaria até sete maridos, em circunstâncias cada qual mais horrível. Além de sua persistência na tradição oral, a história da Corriveau foi objeto de múltiplas narrativas literárias, peças de teatro, complaintes, inserindo-senos “romances da terra” de Philippe Aubert de Gaspé Père e de William Kirby, nos quais ela se torna feiticeira e envenenadora.
Segundo Luc Lacourcière, a história da Corriveau é um exemplo marcante das transformações que opera um fait divers na memória coletiva. Contudo, a mais famosa feiticeira do Quebec jamais foi feiticeira. Foi, quando muito, conforme confessa por ocasião de seu processo, a autora da morte do segundo marido, em razão dos maus tratos que este lhe infligia. Assassina, viúva duas vezes, maltratada, marcada com ferro em brasa, enforcada, seu cadáver engaiolado, exposto em uma encruzilhada, nada mais se precisaria acrescentar para fazer da Corriveau uma figura lendária, uma feiticeira, uma envenenadora, mas também, sem dúvida alguma, uma vítima da justiça popular. O crime e o horror do castigo de Marie-Josephte Corriveau permanecerão por muito tempo na memória e a lenda se desenvolverá pouco a pouco em torno da enforcada da região de Levis. A famosa gaiola tornar-se-á o elemento mais estável que reterá o discurso popular e lendário.
Anne Hébert retomará esse elemento da tradição, em primeiro lugar, no título dado à sua peça teatral. Logo a seguir ela oporá a gaiola dourada de Rosalinda Crebessa à prisão miserável de Ludivina Corriveau, em releitura feminista dos acontecimentos, nos quais ambas são submetidas a seus maridos. A Corriveau, por meio da personagem Ludivina, primeiramente marcada por um destino triste e negro, se transformará pouco a pouco, na ausência do marido, em uma mulher livre. O final engendrado pela autora quebequense subverte a “história oficial” e muitas versões lendárias e literárias do episódio.
A tradução para o português desta peça de teatro de Anne Hébert deve-se à iniciativa de Nubia Jacques Hanciau, doutora em Literatura Comparada e autora de uma dissertação de mestrado, uma tese de doutorado e numerosos artigos total ou parcialmente consagrados a Anne Hébert. Dedicada há vários anos à literatura quebequense, à tradução e à crítica literária feminista, Nubia Hanciau, em colaboração com Eloína dos Santos e Eliane Campello, publicou recentemente uma coletânea de onze artigos críticos de autoras canadenses, intitulada A voz da crítica canadense no feminino6. Oferece-nos, agora, para nosso grande prazer, além da tradução de A gaiola de ferro, de Anne Hébert, um estudo crítico da figura lendária de Marie-Josephte Corriveau, a enforcada e engaiolada. |
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