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Em dezembro de 2019, na China, foi detectada a COVID-19, uma doença infecciosa, altamente transmissível, causada por um novo coronavírus (SARS CoV-2). A Organização Mundial da Saúde, em março de 2020, decretou estado de emergência vindo a se configurar numa pandemia, que levou o planeta a uma crise sanitária (WHO, 2020).
Nos anos de 2020 e 2021, em atenção às orientações sanitárias, foi instituída uma série de medidas priorizando o distanciamento e/ou o isolamento social. Com isso, muitas mudanças se fizeram necessárias em atividades diárias e cotidianas, nos nossos modos de se relacionar com nós mesmos e com os outros e, também, nas estratégias de educação e formação em saúde.
A obra “Narrativas da Pandemia de COVID-19: Experiências em Saúde Coletiva” resulta de uma parceria entre o Grupo de Estudos em Saúde Coletiva dos Ecossistemas Costeiros e Marítimos (GESCEM-FURG), o Grupo de Estudos Rotas Críticas: Desigualdades Sociais, Generificadas e Racializadas (UFRGS) e o Núcleo de Estudos do Trabalho e Constituição do Sujeito (NETCOS FURG). E emerge da necessidade de registrar e de compartilhar as narrativas das experiências de professores, estudantes e trabalhadores, durante a pandemia de COVID-19.
Poderíamos nos perguntar com Benjamin (1994a) como transmitir uma experiência diante do empobrecimento das possibilidades de sua transmissão na contemporaneidade? Talvez algumas pistas sejam encontradas no próprio autor quando nos fala da importância de narrar o vivido, refletir sobre o que se passou, compartilhar os efeitos de nossas experiências (BENJAMIN, 1994b). Aqui, tomamos a experiência como produção coletiva (SCOTT, 1998) em sua construção discursiva, histórica e socialmente situada (HARAWAY, 1995).
O ato de narrar, por sua vez, produz um posicionamento político, enlace de um viver que se faz na relação com os outros. O “Registrar para não esquecer, narrar para compartilhar as experiências do viver”, sinaliza um esforço coletivo de dar visibilidade, refletir e
problematizar o que se tem vivido. Narrar para compartilhar as experiências do viver nos auxilia a produzir um rasgo na linearidade e naturalização da vida. Instaura a possibilidade de juntos refletirmos e nos inquietarmos com o que tem se passado. A potencialidade do narrar, já diria Benjamin, está na possibilidade de transmissão da experiência.
Nesse sentido, experiência e narração articulam modos outros de falar, escutar, compartilhar, visibilizar, reverberar saberes periféricos, negligenciados pela história oficial (MACIAZEKI-GOMES e ORTUÑO, 2020). Experiência e narração tomam contornos políticos ao encarnar os fragmentos de uma história que se-faz-sendo, não linear, mas recortada e (re)inventada na arte de narrar e dela fazer arte(sanato) (MACIAZEKI-GOMES, 2017). A contribuição dos textos, apresentados neste livro, constrói-se a partir de fragmentos do cotidiano, num descompasso entre o escrever, o sentir e o viver uma história viva, que se faz a cada dia. Histórias que se compõem em meio aos efeitos da pandemia de COVID 19. O conjunto de textos (re)afirma uma política da narratividade que se faz com os saberes situados (HARAWAY, 2014). A narrativa traz visibilidade a uma gama de experiências em Saúde Coletiva produzida em espaços de atenção e de formação, atravessados pela pandemia. Narrativas que compartilham desassossegos, dúvidas, medos e incertezas, como também, estratégias de reinvenção frente ao distanciamento social ou à ausência da presença física. O uso de tecnologias passou a ser acionado, em larga escala. Os encontros, conversas, grupos de acolhidas e trocas passaram a ser mediados pelas telas dos computadores e celulares. Muitas vezes, evocavam questionamentos como: Seria possível se produzir afeto, contato e proximidade com o outro através das telas? Seria possível a produção de cuidado mediada pelo uso das tecnologias digitais? Como (se) reinventar em meio a uma pandemia?
A construção de estratégias de comunicação, muitas delas inéditas até então, demonstraram a capacidade de trabalhadores, acadêmicos e professores de se reconstruírem a si mesmos e a seus processos de trabalho, frente aos impactos e efeitos devastadores da pandemia de COVID-19, no sistema sanitário brasileiro. Inúmeros fatores precisaram ser levados em consideração nos processos de adaptação e ajustes necessários às novas exigências. A proposta de um grupo online, por exemplo, foi atravessada por requisitos mínimos para sua realização, como o acesso à internet. A questão do acesso, mais uma vez, desnudou nossas fragilidades diante das desigualdades sociais e econômicas históricas em nosso país. Assim, promover mudanças nos modos de cuidar, na gestão e formação em saúde exigiu que fossem levadas em conta, além das questões técnicas, as especificidades socioculturais e econômicas, locais e regionais, na proposição de soluções para os problemas apresentados.
Neste registro, a política de localização das narrativas demarca o fio condutor dos capítulos, aqui apresentados. Registra e compartilha os fragmentos de experiências, em contextos de formação, gestão e atenção em saúde, desde a região sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. As escritas se passam em diferentes dispositivos das políticas públicas de saúde, educação, assistência social e, até mesmo, dentro de nossas próprias casas. Nesse contexto, o público e o privado se diluem, ao passo que as distâncias geográficas, no meio virtual, também. As experiências registradas, ainda em movimento, dizem de um momento presente, que pede passagem para serem compartilhadas e processadas de modo coletivo. Demarcam um compromisso social ao buscar pensar estratégias de como se (re)inventar, contam de movimentos em prol de um esperançar, da busca por possibilidades em um tempo com tantas limitações e restrições. Dizem da produção de estratégias de cuidado consigo e com o outro que encadeiam um cuidado em rede, de modo coletivo.
Para apresentação das produções, os textos que compõem o livro foram agrupados em duas seções temáticas: “Falando sobre experiências em serviços de saúde em tempos de COVID-19” e
“Compartilhando experiências poético-expressivas em tempos de COVID-19”.
Na seção I “Falando sobre experiências em serviços de saúde em tempos de COVID-19” são apresentados textos escritos por estudantes da graduação, residentes em programas de saúde da família e professores de cursos do campo da saúde. Esses textos autorais mostram o desejo de enfrentar os medos, as angústias e as inseguranças produzidas pela pandemia e agudizadas pela sua má gestão, no Brasil. A seguir, traremos uma breve apresentação de cada um dos textos, contextualizando os cenários onde ocorreram e os aspectos singulares de cada um deles.
O primeiro capítulo, intitulado A saída sempre será coletiva: narrativas de um estágio em Psicologia Social junto ao dispositivo clínico Espaço de Expressão, aborda as transformações nos processos educativos e de formação em Psicologia. As autoras e os autores, Gabriela Viana de Oliveira, Fernanda Pereira Morais, Leonardo Roman Ultramari, Diogo Dias Ramis, Rita de Cássia Maciazeki-Gomes e Jackson Cardoso compartilham um registro das experiências vivenciadas no estágio, durante a pandemia de COVID-19, no ano de 2021. Registra a reorganização das práticas de estágio em Psicologia Social, realizadas, de modo remoto, junto ao dispositivo clínico Espaço de Expressão (EE), vinculado ao laboratório do Grupo de Estudos em Saúde Coletiva dos Ecossistemas Costeiros e Marítimos (GESCEM). Entre as questões levantadas pelo grupo, estão: Que território é esse que se constitui com a ausência da presencialidade? Que tipo de presença existe no modelo virtual e que corpo é esse que se constitui através das telas? E ainda, será possível que esses corpos se afetem?
A fragilização da Estratégia Saúde da Família na Atenção Básica à Saúde e a pandemia de COVID-19: uma narrativa sobre a experiência de estágio em Psicologia Social no Município do Rio Grande/RS compõe o segundo capítulo, de autoria de Fernanda Camilotto Bortoluzzi, Letícia Ferreira Coutinho, Estephani de Almeida Vargas, Bruna Rosa Farias e Ceres Braga Arejano. O registro traz reflexões sobre as experiências de estágio em Psicologia Social, no acompanhamento das Equipes Multiprofissionais, antigo Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), durante o período de outubro de 2020 a abril de 2021. O relato enfatiza que o estágio foi atravessado por duas grandes crises: uma ligada à expansão do pensamento neoliberal na gestão das políticas públicas em saúde, expressa na elaboração de um novo financiamento da Atenção Básica no Brasil (Portaria 2.979, DE 12 de novembro de 2019), provocando o desmonte dos princípios e diretrizes do SUS (PAULINO et al, 2021); e outra vinculada à maior crise sanitária deste século: a pandemia da COVID-19.
O texto Percursos de uma (ou mais) escuta(s): relato de bordo apresenta narrativas sobre as experiências de estágio remoto em psicologia clínica. Compartilha um registro sensível sobre os muitos desafios em produzir-se terapeuta, mediado pelas telas e seus temores. Segundo, Ana Paula Moreira Ferreira, Andreli Dalbosco, Flavia de Moraes, Jéssica Aguirre da Silva, Josiane Flores Pinheiro, Juliano Barros Dalmas, Mariana Schuh, Pedro Alves Fagundes, Renata Cecconello Mônego, Renata de Lima Corrêa e Analice de Lima Palombini: “o encontro terapêutico mesmo sendo também um encontro, ele não pode ser despretensioso. A escuta tem propósito. É um esperar, um temer e muitos outros verbos que qualificam a experiência de ser terapeuta”. Entre os desafios “do encontro terapêutico” sobressaem os sentimentos de medo, imprevisibilidade e incerteza a todas as mudanças que a pandemia acarretou.
O quarto capítulo, Entre a Casa e o Estágio: experiências, afetos e narrativas pandêmicas em meio à
prática de estágio na assistência social, traz a perspectiva de estagiárias de Psicologia Social junto aos dispositivos do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – Medidas Socioeducativas (CREAS-MS), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – Medidas Protetivas (CREAS-MP) e do Programa Família Acolhedora (PFA), no período 2020 e 2021. As autoras Gabriela Del-Ponte, Sophia Souza e Carine Ortiz Fortes trazem as repercussões cotidianas acionadas pelas experiências do fazer-se estagiária na política de Assistência Social, durante a pandemia de COVID-19. O texto salienta as dificuldades de viabilizar as atividades planejadas, o medo do contágio e de contagiar familiares, as contradições e, por vezes, a vontade de desistir. Mas também assinala as potências, as aprendizagens significativas, os enfrentamentos e o afeto presente em toda a caminhada.
Em Vigilância em Saúde do Trabalhador: relato de estágio em psicologia em meio à pandemia do novo coronavírus, Mattheus Pessano narra o registro da realização do primeiro estágio em Psicologia Social, junto à Vigilância da Saúde do Trabalhador (VISAT). Relata as muitas dificuldades ocorridas durante a realização do estágio, com a passagem do estágio presencial para o remoto. Porém, mesmo com os entraves sofridos, nos mostra a abertura de novos campos de atuação, a importância do olhar e da escuta da psicologia nos ambientes relacionados à vigilância em saúde, no caso a saúde do trabalhador. As discussões atentam para a importância das notificações dos agravos a saúde do trabalhador, que denunciam o mal-estar, o sofrimento físico e psicológico, responsável pelos efeitos deletérios à saúde mental dos trabalhadores, que vão do Burnout ao suicídio. E, ainda, traz visibilidade para o fato de que, na pandemia de COVID-19, os trabalhadores da saúde foram um dos grupos mais afetados, tanto em termos de adoecimento, quanto de mortes.
O Acompanhamento terapêutico como meio de (re)inventar o cuidado em saúde mental em tempos de pandemia: uma análise cartográfica é a temática abordada por Amilton Gonçalves Schir e Douglas Casarotto de Oliveira. O texto apresenta as reflexões das experiências de um acadêmico de psicologia como Acompanhante Terapêutico (AT), junto a um projeto de extensão em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS-II), no interior do Rio Grande do Sul. O texto registra a eclosão de sentimentos como medo, angústia, solidão, insegurança e pânico social, que tomaram conta da comunidade acadêmica, no início da epidemia. Registra, também, o sofrimento psíquico decorrente das situações de desemprego, doença e morte em familiares, a superlotação de hospitais e a escassez de suprimentos. Compartilha reflexões sobre as atividades de cuidado do AT no SUS, como a realização de rodas de conversa, oficinas de rádio, relato de caso, retomada da horta comunitária no CAPS. As narrativas dessas experiências explicitam o cuidado em rede, em sua dimensão coletiva.
O texto seguinte traz reflexões sobre o Sobrevoo, Pouso e Linhas de Fumaça: registros de um diagnóstico comunitário produzido por residentes multiprofissionais em saúde da família (RMSF/FURG). No registro, Aline das Neves Cordeiro, Daniela dos Santos, Lara Irene Leite da Costa e Juliana Cotting Teixeira compartilham reflexões dos resultados advindos do diagnóstico comunitário realizado no território de atuação em saúde, junto à atenção básica. Jovens “desejantes”, como elas mesmas se denominam, produzem mapas, itinerários, cuidados e afetos. Nesse percurso, criaram exercícios de decolagem e sobrevoo e, no trajeto, identificaram questões de gênero e de saúde mental, inventaram estratégias usando “linhas de fumaça”, fazendo uso e abuso da linguagem literária, poética, metafórica. O relato está ancorado no território vivo, geográfico, econômico, cultural e humano, como havia descortinado Milton Santos. Sem medo de ser feliz, o texto encerra acenando com linhas de fumaça, ou estratégias inventadas pelas residentes para driblar a epidemia.
Em Da Graduação à Pós-Graduação: O processo de formação durante a primeira onda da pandemia de COVID-19 pelo olhar de uma residente e uma estagiária de psicologia, as autoras Mariana de Oliveira Garcia, Mariana da Cunha Aires e Mariana Gauterio Tavares apresentam os desafios e potencialidades do processo de formação em nível de graduação e de especialização. A partir de diferentes posições, como residente, estagiária de psicologia social e supervisora e preceptora, compartilham reflexões sobre as mudanças e (im)possibilidades na formação e atuação em saúde, em um hospital universitário, no extremo sul do país. Destacam entre os desafios: a formação deficitária em Psicologia para intervenções nas situações de emergências e desastres, a adaptação aos protocolos, o uso de Equipamentos de Proteção individual (EPI’s), o distanciamento físico de pacientes, equipe e a dificuldade de acesso à internet. Entre as potencialidades ressaltam a flexibilidade da equipe, a adaptação das atividades para o modo remoto, o uso de tecnologias no cuidado e aproximação de pacientes e familiares.
No último capítulo desta seção, Ana Cristina Holszchuh Machado e Tarcis Murilo Sartor compartilham as Intervenções psicológicas em uma Unidade de Terapia Intensiva no contexto da COVID-19: estudo de caso sobre a importância da participação da família no processo saúde doença. O texto contempla reflexões sobre a atuação da Psicologia no cenário de internações hospitalares, em situações de adoecimento grave, de despedida e morte, durante a pandemia da COVID-19. No registro, os autores compartilham as experiências de visitas virtuais a uma paciente internada na Unidade de Terapia Intensiva, que veio a falecer. Na impossibilidade da realização de visitas presenciais, a estratégia adotada contribuiu para a vivência dos rituais de despedidas, auxiliando na elaboração dos processos de luto, trazendo conforto possível para o paciente, sua família e equipe de saúde.
Já na seção II, “Compartilhando experiências poético-expressivas em tempos de COVID-19”, são apresentados textos de autoria de artistas, poetas, estudantes da graduação, pós-graduação e professores. Os textos compartilham experimentações clínicas e educativas, ao mesmo tempo em que registram as reflexões acerca das (im)possibilidades de escuta, encontros e linhas de fuga que dão (an)coragem para seguir adiante, reinventando modos outros de cuidar de si e dos outros, em tempos de pandemia. A seguir, traremos uma breve apresentação de cada um dos textos, contextualizando os cenários onde ocorreram e os aspectos singulares de cada um deles.
O texto de Lilian Ney: 2020, o ano em que reinventamos o contato, constrói um percurso narrativo singular, que evoca cenas, cenários, fragmentos, lembranças das mudanças, transformações e ressignificações ocasionadas pelo advento da COVID-19. O registro aponta a escrita como elo, possibilidade de suspiro e elaboração do vivido: “escrevo memórias, lembranças, desejos, sonhos, vontades, reais e inventadas”. A escrita, por vezes intimista, compartilha sentimentos, memórias, mudanças nas rotinas diárias, transições e adaptações cotidianas na vida pessoal e, também, no mundo do trabalho. Encontramos, aqui, com a escrita como um arquivo vivo, um rasgo no tempo, na
história, deixando marcas para os que virão. Em Portas e janelas, música, trabalho e fotografia: narrativas de um professor em pandemia, Alan Goularte Knuth compartilha seus registros, tendo como eixo transversal a Saúde Coletiva. O texto salienta as mudanças no mundo do trabalho docente, que passou a ser realizado dentro de casa. O registro encadeia as dimensões ético-políticas, ao dar corpo à narrativa de um “professor remoto”, atravessado pelas questões do seu tempo, como dos “links, câmeras e microfones, do desejo de sobrevivência, da lamentação pelas perdas, da repulsa pelo negacionismo como estratégia política até o reconhecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como um marco de proteção aos brasileiros e o advento da vacina como estratégia para retomadas”. Enfatiza a dimensão coletiva, ao compor estratégias imagéticas, expressivas e sonoras que, de algum modo, entrelaçam as relações de proximidade e de cuidado consigo mesmo e com os outros.
Aline Machado Dorneles escreve Cartas da formação docente em tempos pandêmicos. As cartas são um convite a continuar tecendo reflexões sobre o cotidiano, a vida e o trabalho de professores e professoras, em tempos de pandemia. As cartas acionam um convite para um encontro com a escrita narrativa. As cartas escritas no presente emergem entre os desafios da (con)vivência com o imprevisível, o inesperado e como estratégia de reinvenção. A escrita narrativa torna-se uma estratégia para expressar sentimentos e aprendizagens. A escrita de cartas instiga o registro e o testemunho do vivido no endereçamento da mensagem narrada. A escrita narrativa traz à tona uma escrita sensível, reflexiva, de modo a levar em conta as muitas singularidades e produzir conexões no tempo, no espaço e na relação com os outros. Na docência, a narrativa se associa ao caráter formativo, como potencialidade para produzir práticas investigativas sobre fazer e os efeitos das experiências educativas.
No próximo capítulo, Gicelda Mara F. Silva traz o poema O hospital na pandemia, numa inspiração do poema “A escola” de Paulo Freire. A escrita poética produz um olhar humanizado para o hospital, de modo a integrar todos aqueles atores que, no seu processo de trabalho, estabelecem laços de convivência no dia a dia da instituição hospitalar. A escrita acolhe, estabelece laços e produz visibilidade a todos aqueles que cuidam e que dão de si na linha de frente de uma pandemia. Abre, assim, espaço também para um cuidado daqueles que cuidam.
A proposta de uma conversa-escrita é trazida por Débora Medeiros do Amaral e Aline Dornelles em A importância de dizer a palavra e narrar sobre dias pandêmicos – A escrita como possibilidade de encontro e conversa. As autoras propõem uma escrita ampliada, trazendo possibilidades de encontros em outros tempos, pausas e alentos. A escrita conversa-leitura, com textos escritos por outros, que são encontrados, em outros tempos, por cada um de nós. O texto registra as cenas do cotidiano, as demandas e sobrecargas na vida e no trabalho impostas pelo trabalho remoto. As cartas refletem sobre as experiências acionadas com o(s) tempo(s) e a docência na educação infantil. As cartas evocam memórias de um vivido e movimentos de um vir a ser. As cartas registram memórias e acionam práticas permeadas pelo compromisso social “da memória e a necessidade de dizer a palavra”. As narrativas deixam em aberto uma conversa-escrita inacabada e o convite para continuidade da conversa.
Em seu ensaio poético Realidades Descontinuadas, Andrew Oliveira de Oliveira apresenta as primeiras impressões frente à vivência pandêmica da COVID-19. Acompanhamos com ele um mundo que pára, à medida que os processos inconscientes passam a tomar conta do cenário, da realidade. Existe um sentimento de estranhamento frente à velocidade dos acontecimentos, entre eles, o contágio, o adoecimento que se instala e acomete a população. O texto produz uma sensação onírica de vertigem. Mas, antes do final, surge renovada a esperança da oportunidade do despertar e a possibilidade de capturar novas memórias, novos segredos. O texto aciona imagens e nos convida à imaginação.
No capítulo final, o artista plástico Leandro Machado dos Santos compartilha os registros de sua exposição: “Vilões vilões violam violentam violas violões” – título da ocupação artística realizada no espaço Majestic, na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre/RS, durante os meses de outubro e novembro de 2021. Algumas das imagens da exposição podem ser acompanhadas ao longo de todo o livro, desde a capa à abertura de cada um dos capítulos. As imagens escolhidas para compor o livro, ao passo que denunciam as inúmeras dificuldades e violações sofridas em meio à COVID-19, abrem espaços para a “reflexão – encontro – ocupação”. Um convite para que juntos possamos compartilhar experiências, em sua diversidade de sensações, sentimentos, percepções e entendimentos. Uma pausa para nos deixar afetar, buscar alento e compor estratégias coletivas diante das dificuldades enfrentadas.
Agradecemos a todas as pessoas que compartilharam seus textos, imagens, cartas, poesias e narrativas para que esta coletânea fosse possível. Almeja se com este livro contribuir no processo de registro, memória e narrativa das experiências em Saúde Coletiva, em tempos de pandemia. Que as narrativas das experiências compartilhadas, aqui, possam inspirar outras tantas formas de (re)existência e criação. Desejamos uma boa leitura! |
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