Abstract:
A presente dissertação oferece um exame crítico de Primeiras trovas burlescas de Getulino
(1859), único livro de poemas de Luiz Gama (1830-1882). Obra que, relegada a apêndices e
notas de rodapé nos volumes de história da literatura, constitui o testemunho literário de um
poeta negro que viveu a escravidão no Brasil Imperial. Sua leitura demonstra, através da
analogia com Perseu (CALVINO, 2016), o herói mítico que combateu a Medusa, a qualidade
dual da poética de Luiz Gama. Suas duas “armas”, a sátira e a lírica, traduzem duas estratégias
de engajamento com a realidade que o cerca: a sátira revoltada e zombeteira agride a realidade,
dedicada a expor suas chagas – é a espada de Perseu; enquanto a lírica, encantadora e
melancólica, exprime uma contemplação utópica da sociedade, refletindo-a distorcida – é o
escudo espelhado de Perseu. Essa realidade, naturalmente, é Medusa, cujo olhar tem poder de
petrificar os que vivem sob seu domínio. A espada e o escudo espelhado de Perseu-Gama
representam, ademais, seu vínculo com o Romantismo, definido como expressão de revolta e
melancolia (LÖWY; SAYRE, 2016) perante o mundo moderno, e compõem o impulso estético
que guia seu engajamento literário (SARTRE, 2015). Diante de um mundo petrificado, Luiz
Gama faz da poesia uma tarefa existencial, capaz de tornar leve o peso do viver.
This thesis offers a critical exam of Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859), the only
book of poems written by Luiz Gama (1830-1882), a literary testament of a black poet that
survived slavery during the Brazilian Empire, although relegated to the appendixes and
footnotes in the volumes of history of literature. Our aim is to demonstrate, through an analogy
with Perseus (CALVINO, 2016), the hero who fought the Medusa, the dual quality of Luiz
Gama’s poetics. His two “weapons”, the satire and the lyric, depict the strategies with which he
manages to engage, literarily, with the reality that surrounds him: the sneering and revolted
satire strikes reality, devoted to expose its wounds – it’s Perseus’ sword; meanwhile the lyric,
enchanting and melancholic, conceive a utopic glance on society, distorting its reflection – it’s
Perseus’ mirrored shield. That reality is, naturally, the Medusa, whose gaze has the power to
petrify those who live under its rule. Moreover, the sword and mirrored shield of Perseus-Gama
represents his bond with Romanticism, defined as an expression of revolt and melancholy
(LÖWY; SAYRE, 2015) towards the modern world, a viewpoint that contains the aesthetic
impulse that guides his literary engagement (SARTRE, 2015). Facing a petrified world, Luiz
Gama made poetry into an existential task, one that provides levity to the burden of living