Ser criança na sociedade de consumidores: outros tempos, outras infâncias

Abstract

Nesta Tese investigo a construção das infâncias contemporâneas em face da centralidade assumida pelo consumo na organização da vida social. Para tanto, analiso as narrativas de um grupo de crianças dos Anos Iniciais, de uma escola da rede pública do município do Rio Grande/RS. O entendimento das infâncias como construções, que se articulam aos sistemas de significado culturalmente instituídos e às formas de sociabilidade que engendram no interior de uma conjuntura histórica, levou-me a estabelecer conexões com os estudos sociológicos de Zygmunt Bauman (1999; 2001; 2005; 2007; 2008), que focalizam a transição da modernidade sólida para a modernidade líquida e o advento da sociedade de consumidores. As ferramentas conceituais disponibilizadas por Bauman também possibilitaram refletir sobre os desafios que se colocam à Educação Ambiental na contemporaneidade. As proposições de Bauman são articuladas aos estudos de Reigota (2002), Wortmann (2001; 2004) e Sampaio (2005), que examinam a Educação Ambiental como um campo matizado e contestado, em que múltiplas práticas e teorizações são configuradas, definindo significados sobre a natureza e a vida em sociedade. Tal entendimento possibilitou atentar para as funções simbólicas e para os sentidos de identificação construídos pelas crianças em suas interações com as mercadorias. Sendo assim, neste trabalho compreendo que os ditos das crianças não constituem evidências em si mesmas, mas se conectam aos vínculos narrativos que operam na constituição identitária dos sujeitos. Essa compreensão se articula à abordagem metodológica que orientou a realização da pesquisa, a investigação narrativa, segundo os pressupostos de Connelly e Clandinin (1995) e Larrosa (1998; 2006; 2008). Para viabilizar a estratégia de contar, ouvir e contrapor histórias, nos encontros da pesquisa foram propostas atividades que provocaram as crianças a refletirem e dialogarem sobre suas experiências de consumo, tais como a produção de autorretratos, textos escritos e conversas conduzidas a partir da leitura de livros de histórias e de histórias em quadrinhos. A estratégia de análise consistiu em identificar relações de sentido entre as produções das crianças, rastreando condições históricas, códigos socioculturais, mecanismos e práticas que possibilitaram sua composição. Esse movimento analítico evidenciou que as formas contemporâneas de consumo fornecem referentes materiais e simbólicos amplamente compartilhados pelas crianças, possibilitando a articulação entre interesses e atividades de sujeitos de distintos meios culturais e condições socioeconômicas. Assim, foram construídos três focos de análise, que versam sobre as disposições das crianças em comprar, querer e desejar; as interpelações midiáticas e a produção dos corpos infantis e as repercussões do consumo no cotidiano escolar. As proposições que interligam as análises destacam a correlação entre as práticas de consumo e a reinvenção das infâncias, uma vez que os modos de ser das crianças consumidoras colocam em questão os sentidos de dependência, inocência, inaptidão e obediência, que ainda orientam as formas de tratar e educar as crianças neste início de século.

This study investigates the construction of contemporary childhood in view of the centrality ascribed by consumption in the organization of social life. Therefore, the narratives of a group of children in the early years of a public school in the city of Rio Grande/RS, Brazil, are analyzed. The understanding of childhood as constructions, which are linked to culturally established systems of meaning and to the forms of sociability engendered within a historical context, enabled to establish connections with the sociological studies of Zygmunt Bauman (1999, 2001, 2005, 2007, 2008), focused on the transition from solid to liquid modernity and the advent of consumer society. The conceptual tools provided by Bauman also enabled a reflection on the challenges faced by environmental education nowadays. Bauman’s propositions are related to the studies of Reigota (2002), Wortmann (2001, 2004) and Sampaio (2005), which examine the environmental education as a nuanced and contested field, within which multiple practices and theories are defined in the search of meanings about nature and life in society. This understanding allowed considering the symbolic functions and identification meanings built by children in their interactions with goods. Thus, this study assumes that the children’s speech itself is not evidence, since it is connected to narrative links operating in the identity constitution of subjects. Such an understanding is based on the methodological approach guiding the narrative research, according to the assumptions of Connelly and Clandinin (1995) and Larrosa (1998, 2006, 2008). In order to enable the strategy of telling, listening and countering stories, the meetings proposed research activities that caused the children to reflect and engage in dialogue about their consumer experiences, such as the production of self-portraits, written productions, and conversations conducted from the reading of storybooks and comics. The analysis strategy was to identify sense relations between children’s productions, thus tracking historical conditions, sociocultural codes, mechanisms and practices that enabled its composition. This analytical deepening showed that contemporary forms of consumption provide material and symbolic references widely shared by children, thus enabling the relationship between interests and activities of individuals with different cultural backgrounds and socioeconomic conditions. Therefore, three focuses of analysis were built: children’s makings to want, buy and desire; the interpellations of media and the production of children’s bodies; and the repercussions of consumption in everyday school life. The propositions linking analyzes highlight the correlation between consumption practices and the reinvention of childhood, since the modes of being of consumer children call into question the senses of dependence, innocence, awkwardness and obedience, which still guide ways to treat and educate children in this beginning of century.