Abstract:
Os textos literários têm como características a ficcionalidade, a imagina-
ção e, assim, desvinculam-se do real, somando a isso a subjetividade, que
poderá ser maior dependendo do gênero e até do período literário a que
pertence. A maioria dos estudos sobre a literatura segue o princípio de que
o narrador, ou o eu lírico, não pode ser confundido com o autor. Não se dis-
corda inteiramente disso, mas análises minuciosas podem demonstrar que
isso é relativo e alguns autores podem transparecer em suas obras. Ao se
tratar de memórias ou autobiografias, isso se torna mais evidente, questio-
nando a suposta barreira entre o real e o ficcional. A literatura também é
uma área que pode se comunicar com outras e proporcionar uma vasta dis-
cussão numa troca mútua, como é o caso do Direito.
Para ilustrar a discussão a que se propõe, foram selecionados os auto-
res Graciliano Ramos, Oscar Wilde e Franz Kafka, considerando a literatura
e prisão e sua afinidade com a área jurídica. O primeiro passou quase um
ano na prisão por motivo de perseguição política e possível envolvimento
com o comunismo, durante o governo de Getúlio Vargas. Relata em suas
Memórias do cárcere o terrível período em que sua vida passa por uma
grande mudança, observando a vida na prisão. A autobiografia, assim de-
nominada a obra, não se reduz a relatos, envolvendo também considera-
ções pessoais do autor-narrador sobre a realidade a qual presencia. O am-
biente prisional faz com que esse aumente sua repulsa às milícias e ao go-
verno de sua época, demonstrando seu descontentamento com a estrutura
social.
Oscar Wilde permaneceu na prisão por quase dois anos ao ser conde-
nado pelo crime de sodomia, sendo denunciado pelo próprio pai de seu
amante. Na época vitoriana da Inglaterra, o homossexualismo era crime he-
diondo tanto perante a justiça como à sociedade, abalando a moral e os
bons costumes, fazendo com que esse escritor perdesse seus bens materi-
ais e sua reputação, além de prejuízos profissionais. Devido à revolta com a
prisão e com o abandono de seu amado, redige a obra epistolar De profun-
dis, como forma de desabafo. Trata-se de relatos dos momentos áureos vi-
vidos com aquele e a vida de luxo que a situação financeira lhes proporcio-
nava, depois, o inferno da prisão. Os relatos dão pausa a profundas refle-
xões sobre as relações humanas, à situação de uma vida encarcerada e as
próprias condições sociais, envolvendo revolta e sensibilidade na escritura
das cartas.
O terceiro autor, Franz Kafka, não esteve encarcerado, sendo formado
em Direito. Em uma de suas obras mais famosas, O processo, faz uma es-
pécie de sátira à organização do Estado e a um de seus mais importantes
segmentos, o Poder Judiciário. Em outro trabalho, Na colônia penal, nova-
mente se acentua o teor satírico, o aparelhamento judicial, que se mostra
injusto e atrapalhado. Os três autores criticam a organização social em seu
todo, envolvendo os órgãos jurídicos, a Igreja, e o próprio comportamento
humano. A descrença que isso lhes causa é demonstrada na forma de se
dar as narrativas e as observações pessoais, transparecendo a flexibilidade
entre o propriamente literário e a realidade vivida pelos autores citados.
Literary texts have the characteristics of fiction, imagination and, thus,
they are disconnected from reality, adding to this subjectivity, which may be
greater depending on the genre and even the literary period to which it belongs.
Most studies on literature follow the principle that the narrator, or the lyrical self,
cannot be confused with the author. We do not entirely disagree with this, but
detailed analyzes can demonstrate that this is relative and some authors can
show it in their works. When dealing with memories or autobiographies, this be-
comes more evident, questioning the supposed barrier between the real and the
fictional. Literature is also an area that can communicate with others and pro-
vide a vast discussion in a mutual exchange, as is the case with Law.
To illustrate the proposed discussion, the authors Graciliano Ramos, Os-
car Wilde and Franz Kafka were selected, considering literature and prison and
their affinity with the legal area. The first spent almost a year in prison due to
political persecution and possible involvement with communism, during the
government of Getúlio Vargas. In his Prison Memoirs, he describes the terrible
period in which his life underwent a great change, observing life in prison. Auto-
biography, as the work is called, is not limited to reports, but also involves per-
sonal considerations by the author-narrator about the reality he witnesses. The
prison environment increases his repulsion towards the militias and the gov-
ernment of his time, demonstrating his dissatisfaction with the social structure of
his time.
Oscar Wilde remained in prison for almost two years after being convict-
ed of the crime of sodomy, being denounced by his lover's own father. In Victo-
rian times in England, homosexuality was a heinous crime both in the eyes of
justice and society, shaking morals and good customs, causing this writer to
lose his material assets and his reputation, in addition to professional losses.
Due to the revolt with the prison and the abandonment of his loved one, he
wrote the epistolary work De Profundis, as a way of venting. These are ac-
counts of the golden moments lived with him and the life of luxury that their fi-
nancial situation provided them, after the hell of prison. The reports give pause
to deep reflections on human relationships, the situation of a life in prison and
the social conditions themselves, involving revolt and sensitivity in the writing of
the letters.
The third author, Franz Kafka, was not incarcerated and graduated in
Law. In one of his most famous works, The Process, he makes a kind of satire
on the organization of the State and one of its most important segments, the
Judiciary. In another work, In the Penal Colony, the satirical content is again ac-
centuated, as is the judicial apparatus, which appears to be unfair and clumsy.
The three authors criticize social organization as a whole, involving legal bod-
ies, the Church, and human behavior itself. The disbelief this causes them is
demonstrated in the way the narratives and personal observations are given,
revealing the flexibility between the strictly literary and the reality lived by the
authors mentioned.