Abstract:
O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é considerado um dos pilares das
políticas públicas na grande maioria dos países do mundo por se tratar de um direito
humano básico à sobrevivência. No entanto, a insegurança alimentar (IA) continua
ameaçando a vida humana e configura até hoje como um dos maiores problemas
econômicos, sociais e sanitários da humanidade. Além disso, a crise econômica gerada
pela epidemia de Covid-19 repercutiu negativamente sobre a renda familiar, aumentando
as condições de vulnerabilidade nutricional e contribuindo para o aumento na prevalência
de IA em vários países, inclusive no Brasil. Em razão deste contexto, este trabalho teve por
objetivo avaliar a prevalência de insegurança alimentar entre adultos e idosos de duas
cidades do sul do Brasil, antes e durante a pandemia de Covid-19, verificar a associação
entre IA e fatores pandêmicos e analisar a ocorrência de desigualdade na distribuição da IA
nessa população. Para tanto, foram utilizados dados de pesquisas transversais, de base
populacional, coletados antes e durante a pandemia em Rio Grande/RS e Criciúma/SC,
abrangendo uma amostra aleatória e representativa de ambas as cidades. O desfecho foi a
IA domiciliar, medida por meio da escala EBIA, e fatores do contexto pandêmico foram
considerados como exposição. Análises brutas e ajustadas da associação entre desfecho e
exposição foram realizadas por meio da regressão de Poisson. A iniquidade na ocorrência
da IA foi medida por meio dos testes de desigualdade absoluta (SII) e relativa (CIX). A
amostra compreendeu 1.107 domicílios antes da pandemia e 1.280 durante a pandemia.
Não houve aumento da prevalência de IA (31,5% antes e 30,0% durante a pandemia) na
região, porém ela apresentou-se mais alta do que o descrito por órgãos oficiais
anteriormente à pandemia e significativamente maior (p<0,05) em domicílios chefiados
por mulheres, cor de pele não branca, mais jovens, com menos anos de estudo, em maior
agrupamento familiar e menor renda. As análises de desigualdade apontaram redução na
iniquidade de distribuição da IA durante a pandemia, no entanto ela manteve-se
concentrada nas famílias de mais baixa renda e baixa escolaridade. Pessoas que
apresentaram medo da pandemia e que desenvolveram sintomas depressivos tiveram maior
risco de sofrer de IA (RP 1,40 e 1,27, respectivamente). O estudo concluiu que a pandemia
pareceu não ter influenciado quantitativamente a prevalência de IA no sul do Brasil, no
entanto, fatores do contexto pandêmico, como o medo da Covid-19, podem ter sim
influenciado a ocorrência da mesma. Além disso, embora não tenha sofrido aumento, a
desigualdade na distribuição da IA permaneceu presente e concentrada entre os grupos
mais vulneráveis. Os resultados apresentados pelo presente estudo reforçam a presença da
IA no Brasil durante a pandemia e podem servir como evidências para a continuidade e
formulação de novas políticas e programas que visem a garantia do DHAA entre a
população brasileira.
The Human Right to Adequate Food (HRAF) is considered one of the pillars of public
policies in the vast majority of countries worldwide, as it is a basic human right for
survival. However, food insecurity (FI) continues to threaten human life and remains one
of the greatest economic, social, and health problems of humanity. Additionally, the
economic crisis generated by the Covid-19 pandemic has negatively impacted household
income, increasing nutritional vulnerability and contributing to the rise in the prevalence of
FI in various countries, including Brazil. Given this context, this study aimed to evaluate
the prevalence of food insecurity among adults and the elderly in two cities in southern
Brazil, before and during the Covid-19 pandemic, to examine the association between FI
and pandemic-related factors, and to analyze the occurrence of inequality in the
distribution of FI in this population. To achieve this, data from cross-sectional, populationbased surveys collected before and during the pandemic in Rio Grande and Criciúma were
used, covering a random and representative sample of both cities. The outcome was
household FI, measured using the EBIA scale, and pandemic context factors were
considered as exposure. Crude and adjusted analyses of the association between the
outcome and exposure were conducted using Poisson regression. Inequity in the
occurrence of FI was measured using absolute (SII) and relative (CIX) inequality tests. The
sample comprised 1,107 households before the pandemic and 1,280 during the pandemic.
There was no increase in the prevalence of FI (31.5% before and 30.0% during the
pandemic) in the region; however, it was higher than previously reported by official
agencies before the pandemic and significantly higher (p<0.05) in households headed by
women, individuals with non-white skin color, younger individuals, those with fewer years
of education, larger family groups, and lower income. Inequality analyses indicated a
reduction in the inequity of FI distribution during the pandemic; however, it remained
concentrated among families with lower income and education levels. Individuals who
experienced fear of the pandemic and those who developed depressive symptoms had a
higher risk of suffering from FI (PR 1.40 and 1.27, respectively). The study concluded that
the pandemic did not appear to have quantitatively influenced the prevalence of FI in
southern Brazil. However, pandemic-related factors, such as fear of Covid-19, may have
influenced its occurrence. Additionally, although there was no increase, the inequality in
the distribution of FI remained present and concentrated among the most vulnerable
groups. The results of this study highlight the persistence of FI in Brazil during the
pandemic and can serve as evidence for the continuation and formulation of new policies
and programs aimed at ensuring the HRAF among the Brazilian population.