Abstract:
Nesta tese investigo a inserção e a participação das mulheres no campo da ciência moderna buscando problematizar alguns dos discursos e práticas sociais implicados na constituição de mulheres cientistas. A pesquisa foi orientada pelas teorias dos Estudos Feministas da Ciência e Estudos de Gênero, bem como utilizou alguns conceitos de Michel Foucault. Neste estudo, tomo a ciência e o gênero como construções sociais, culturais, históricas e discursivas em meio a relações de poder/saber. Esta tese ancora-se metodologicamente na investigação narrativa a partir dos pressupostos de Jorge Larrosa e de Michel Connelly e Jean Clandinin. Orientada por esses autores, entendo a narrativa tanto como uma metodologia investigativa como uma prática social que constitui os sujeitos. Para compor meu corpus de pesquisa optei pela realização de entrevistas narrativas produzidas com seis mulheres cientistas atuantes em universidades públicas e numa instituição de pesquisa do Rio Grande do Sul, sendo uma da área da Farmácia, duas de Ciências Biológicas, duas da Física e a outra da Engenharia de Computação. Desse modo, busquei conhecer a trajetória acadêmica e profissional dessas mulheres, as motivações para a escolha da profissão, as dificuldades vivenciadas na profissão, como elas percebiam a participação das mulheres na ciência, entre outros aspectos. Para análise das narrativas estabeleci conexões com a análise do discurso na linha de Michel Foucault. Ao analisar as narrativas, percebi a emergência do discurso biológico utilizado como justificativa para explicar a feminização e a masculinização de determinadas áreas do conhecimento, bem como para justificar o entendimento de que as mulheres fazem ciência de “maneira diferente” dos homens. Esses entendimentos estão relacionados ao pressuposto de que é o sexo – o fator biológico – que determina as características e funções sociais diferenciadas entre mulheres e homens. Este estudo possibilitou-me perceber também que a escolha profissional das entrevistadas foi influenciada por diferentes processos discursivos e práticas sociais, ora de identificação, ora de confronto, com pessoas da família, com antigos(as) professores(as), nas experiências escolares, na interação com determinados artefatos culturais, tais como brinquedos e brincadeiras. A análise das narrativas me mostrou as diferentes facetas do preconceito de gênero que perpassa as práticas sociais. Sobre essa questão emergiram a negação do preconceito, o reconhecimento de “brincadeiras” sexistas que não são percebidas como preconceito e situações explícitas de preconceito de gênero. Outro aspecto evidenciado refere-se à necessidade de conciliar as exigências da vida profissional com as responsabilidades familiares, que implicou em jornadas parciais de trabalho, no adiamento ou recusa da maternidade. Analisar as narrativas produzidas pelas entrevistadas me possibilitou compreender que a trajetória delas na ciência foi e é construída em um ambiente baseado em valores e padrões masculinos que restringem, dificultam e direcionam a participação das mulheres na ciência. Ao analisar as trajetórias dessas mulheres na ciência, percebi que elas foram de alguma forma levadas a se adaptar ao “modelo masculino” de pensar e fazer ciência, não apenas para serem consideradas cientistas, mas também para serem bem-sucedidas na profissão.
In this thesis I investigate the inclusion and participation of women in the field of modern science seeking to question some of the discourses and social practices involved in the formation of scientist women. The research was guided by the theories of Feminist Science Studies and Gender Studies, and used some concepts from Michel Foucault. In this study, I take science and gender as social, cultural, historical and discursive constructions among power/knowledge relations. This thesis is methodologically anchored in the narrative investigation from the assumptions of Jorge Larrosa and of Michel Connelly and Jean Clandinin. Guided by these authors, I consider the narrative as both an investigative methodology as a social practice that constitutes subjects. To compose my research corpus I opted for narrative interviews produced by six scientist women working in public universities and in a research institution in Rio Grande do Sul – one in the Pharmacy field, two in Biological Sciences, two in Physics and two others in Computer Engineering. Therefore, I sought to know the academic and professional history of these women, the motivation for choosing the profession, the difficulties experienced in the profession, how they perceived the participation of women in science, among others. For narrative analysis I established connections with the analysis of discourse according to Michel Foucault. When analyzing these narratives, I noticed the emergence of biological discourse used as justification to explain the feminization and masculinization of certain areas of knowledge, as well as to justify the view that women do science “differently” from men. These understandings are related to the assumption that it is sex – the biological factor – that determines the characteristics and different social functions between women and men. This study also enabled to realize that the career choice of interviewees was influenced by different discursive processes and social practices, sometimes of identification, sometimes confrontational, with family, with older teachers, in school experiences, in the interaction with certain cultural artifacts such as toys and games. The analysis of the narratives showed the different faces of gender bias that permeates social practices. On this issue emerged the denial of bias, the recognition of sexist "jokes" that are not defined as bias and situations perceived as explicit gender bias. Another aspect shown refers to the need to reconcile the demands of career and family responsibilities, which resulted in partial daily work, and the postponement or refusal of motherhood. Analyzing the narratives produced by interviewees allowed me to understand that their path in science was and is built in an environment based on male values and standards that restrict, impede and direct participation of women in science. By analyzing the history of these women in science, I realized that they were somehow made to fit the "male model" of thinking and doing science, not only to be considered scientists, but also to be successful in the profession.